domingo, 27 de abril de 2014

Os mortos e outras histórias

                                                           O sortudo

  Francisco,37 anos de idade,alto e magro,é o que se pode chamar de sujeito sem muitas perspectivas na vida.Ensino fundamental incompleto,mulher e três bocas pequenas para alimentar.Francisco se define apenas como um sujeito sem sorte.O gari que um dia sonhou ser advogado hoje ganha a vida recolhendo o lixo descartado todos os dias pelas pessoas.Uma pessoa que nunca teve sorte na vida um dia deu de cara com ela,em meio aos sacos pretos de lixo  Francisco visualizou uma sacola amarela,tudo passaria batido na rotina diária do gari não fosse uma qualidade pouco exercida por ele,a intuição.Intuição que o fez pegar a sacola e desatar o nó daquela comum  sacola de mercado e por consequência, se deparar com aquilo que Francisco sempre imaginou jamais presenciar na vida,maços de dinheiro,notas de 50,20 e 10 novas e velhas, algumas bem surradas,nada que fizesse muita diferença para o humilde gari.Os olhos de Francisco brilharam e ele sentiu que finalmente havia tirado a sorte grande e imediatamente pensou no dono do dinheiro e seu desespero ao saber que havia perdido tal quantia,pensou também o que o azarado dono do dinheiro iria fazer com o mesmo, sentiu vontade de procura-lo e devolver o dinheiro.Francisco teve pena do desgraçado mas se lembrou da mulher doente e dos filhos famélicos dentro da sua casa simples de tijolos sem reboco,veio lhe a mente os conselhos do pai já falecido''o que não nos pertence nunca sera nosso''e que a honestidade é tudo na vida.Francisco suspirou,praguejou e fez aquilo que muitos fariam, e que julgou ser a coisa certa a se fazer,embolsou a bufunfa e voltou a velha rotina de recolhimento de lixo.Francisco o gari que um dia quis ser advogado,pobre e sem perspectivas abraçou a sorte sem pestanejar e murmurou: que se foda, mais vale um bucho cheio que um honesto com fome.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Os mortos e outras histórias

  
                                                  O torturado


 Carlos um setentão que acredita ainda ser um jovem universitário vivendo em 1969,membro de um grupo revolucionário de esquerda que se opõe a ditadura militar.Todos os dias Carlos sai de seu''aparelho''as 6 horas da manhã devidamente guarnecido por seu velho calibre .38 canela seca expropriado de um vigilante do ultimo banco  também  expropriado.Carlos segue pela avenida Paulista a bordo do seu velho fusca 65, em direção ao subúrbio. Carlos foge,não se sabe de quem ou do que, ele apenas foge, na sua cabeça o aparelho foi  estourado pela repressão .Carlos na verdade é o codinome de Paulo  preso em 1969,torturado barbaramente e depois solto.Em liberdade fisicamente porem preso a uma época,um acontecimento,um fato.Carlos/Paulo apanhou demais,quebraram lhe os dentes, arrancaram suas unhas das mãos e pés e lhe deram choques no seu genital,bateram demais na cabeça de Carlos/Paulo.Ficou parado no tempo,semi morto ou semi vivo,Carlos/Paulo se formou,arquitetura,nunca rascunhou um edifício sequer ,sua atividade mesmo é vender livros,bom vendedor lê todos os livros que vende,filosofia e politica são seus preferidos,O Capital de Marx já leu inúmeras vezes,vez ou outra Carlos/Paulo se pega a discutir sozinho os princípios do Socialismo e como será bom quando as reformas de base do Jango forem postas em pratica.Carlos/Paulo para muitos esta louco,mas para sua esposa Neusinha é apenas um sonhador perdido no tempo.Carlos/Paulo não compreende, mais a vida para ele passou e seus ideais se perderam no tempo.O velho revolucionário que se acredita ainda um jovem de vinte e poucos anos só não esquece da dor da tortura,por isso mesmo  nunca sai do seu ''aparelho'' desarmado e sempre anda por ai olhando para todos os lados,desconfia de todos e de tudo.Carlos/Paulo é apenas um daqueles jovens que utopicamente ousou enfrentar uma maquina de morte, um exercito,e quem sabe derrota-lo,deu sorte de continuar vivo,ao contrario de muitos outros jovens,homens e mulheres.Carlos/Paulo continua vivo ou semi vivo ou talvez semi morto.